11/10/2016 - 13:30 - 15:00 GT 40 - Interfaces Epistêmicas |
10813 - ESTILOS DE PENSAMENTO, EXPECTATIVAS E CONTRADIÇÕES NA CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ÁREA INTERDISCIPLINAR NA INTERFACE ENTRE GENÔMICA E SAÚDE PÚBLICA JORGE ALBERTO BERNSTEIN IRIART - ISC UFBA
Apresentação/Introdução Nas últimas duas décadas, na esteira do grande desenvolvimento da pesquisa em biologia molecular e genômica, emergiu uma nova área interdisciplinar buscando articular o conhecimento e a tecnologia genômica com a saúde pública, denominada de “Public Health Genomics/Saúde Pública Genômica” (SPG). Os primeiros centros em Saúde Pública Genômica foram criados simultaneamente nos Estados Unidos e Reino Unido no final dos anos 90. Na década seguinte, a área se expandiu com a criação de grupos de pesquisa em universidades e a realização de seminários internacionais. Com apoio da fundação Rockfeller, um grupo de experts em genômica e saúde reuniu-se na cidade de Bellagio, em 2005, para desenvolver um novo quadro conceitual para a SPG que foi definida como a “responsável e efetiva translação das tecnologias e ciência com base genômica para o benefício da saúde das populações” (Bellagio report, 2005).
Objetivos Analisar os discursos de pesquisadores e atores relevantes (stakholders) atuando na interface entre genômica e saúde pública, buscando compreender os estilos de pensamento que caracterizam a SPG e o papel das expectativas na construção e legitimação da área. O referencial teórico do estudo se inspira nos estudos em Ciência, Tecnologia e Sociedade, tendo como pressuposto que o conhecimento científico produz e é produzido através de discursos e práticas sociais; e na sociologia das expectativas, que enfoca o papel das expectativas e visões de futuro na construção da ciência.
Metodologia Trata-se de uma pesquisa qualitativa, tendo sido realizadas entrevistas semi-estruturadas com 24 pesquisadores e atores relevantes (stakholders) atuando na interface entre genômica e saúde pública em diferentes instituições (universidades, institutos de pesquisa e ONGS) no Reino Unido nos anos de 2014/2015. Realizou-se também análise crítica da literatura (artigos, relatórios de instituições) sobre a agenda e visões de futuro da SPG.
Discussão e Resultados A nova área da SPG se constrói com base em expectativas e visões de futuro que antecipam um impacto relevante do novo saber e tecnologias genômicas sobre a saúde pública (SP) e no manejo das doenças complexas. Este discurso, no entanto, encontra resistências devido à falta de evidências concretas de aplicação da genômica à saúde das populações, para além das doenças genéticas raras. A construção de expectativas cumpre um papel importante na arregimentação de apoio, financiamento e busca de legitimação da nova área. Com base no saber genômico, a SPG propõe novas concepções da doença em nível molecular e o deslocamento do foco tradicional da SP nas populações para o enfoque nos indivíduos ou estratos da população. Argumenta-se que ao tomar o indivíduo e a prevenção personalizada como foco prioritário, a SPG incorpora acriticamente uma construção específica de pessoa como valor. Discute-se as contradições no modelo de translação do saber e tecnologias genômicas e suas implicações políticas e socioculturais.
Conclusões/Considerações Finais Considera-se importante que a saúde pública esteja aberta à incorporação de novos saberes e tecnologias sendo imprescindível, no entanto, a reflexão crítica sobre seus pressupostos e implicações políticas e socioculturais. Ao enfatizar a prevenção personalizada com base no saber e tecnologias genômicas e a centralidade da autonomia individual, a SPG relega a segundo plano o contexto sociocultural, político e econômico em que estão inseridos o processo saúde-doença e a incorporação destes saberes e tecnologias na prática biomédica despolitizando-os.
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