10/10/2016 - 15:00 - 16:30 GT 1 - Etnografias de/em Serviços de Saúde |
10965 - PESSOAS, GLOBALIDADE E TRISTEZA: UMA ETNOGRAFIA DO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA BRASILEIRA LEANDRO DAVID WENCESLAU - UFV, FRANCISCO ORTEGA - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Apresentação/Introdução A instituição da medicina científica moderna tem exercido um importante papel na criação de modelos e modos de produção e intervenção sobre os comportamentos humanos, suas representações discursivas e simbólicas, em especial, considerando aspectos morais, também designados contemporaneamente, "mentais" e "psicológicos". Desde 2007, um crescente movimento científico internacional, o Saúde Mental Global, tem promovido o debate em torno da necessidade de expansão em escala global dos cuidados em saúde mental, com destaque para a situação das populações mais vulneráveis dos países de média e baixa renda. Os chamados transtornos depressivos estão entre os problemas de saúde mais prevalentes na população mundial e são, segundo a Organização Mundial de Saúde, a principal causa global de incapacidade. A comunidade científica diverge sobre aspectos de sub/sobrediagnóstico e tratamento da depressão em situações de amplo acesso, como na atenção primaria à saúde. A exportação do modelo biomédico, sobrepujando os aspectos culturais locais do reconhecimento e do manejo da experiência de sofrimento moral, é uma das principais críticas tecidas sobre os objetivos do Saúde Mental Global.
Objetivos O objetivo principal desta pesquisa de doutrado é descrever e analisar discursos e práticas envolvidos em estratégias de cuidado oferecidas para pessoas com sintomas depressivos num cenário de Atenção Primária na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Os resultados são analisados em diálogo com os estudos desenvolvidos por Luiz Fernando Dias Duarte sobre a experiência do "nervoso" nas classes trabalhadoras urbanas brasileiras e a "psicologização" da classe média, além dos estudos da antropologia médica norte-americana sobre depressão, em especial, a obra de Arthur Kleinman.
Metodologia Este é um estudo etnográfico em duas etapas. Na primeira etapa, 14 profissionais vinculados a quatro equipes da Estratégia Saúde da Família foram entrevistados em profundidade sobre as práticas utilizadas para acolhimento, diagnóstico e tratamento de pessoas que apresentam sintomas depressivos. Foram entrevistados: médicos de família, residentes de medicina de família e comunidade, enfermeiras e profissionais do matriciamento em saúde mental. As entrevistas foram analisadas com análise de conteúdo dedutiva. O segundo estágio da pesquisa consiste num período de observação participante de quatro meses em que será acompanhado o trabalho estas equipes de saúde da família com estes pacientes. O estudo foi aprovado por comitês de ética em pesquisa da instituição proponente da pesquisa e da instituição-campo, como co-participante.
Discussão e Resultados Os primeiros resultados apresentaram diferenças entre as estratégias utilizadas pelos profissionais médicos para diagnóstico da depressão, variando de ferramentas de rastreamento mais objetivas e quantitativas para outras ferramentas mais individualizadas, subjetivas e qualitativas. Todos os trabalhadores concordaram com a importância do matriciamento, mas apontaram dificuldades no trabalho em equipe entre médicos e psicólogos, apontando as diferenças entre suas matrizes teóricas como principal explicação para esta dificuldade. Reflexões importantes foram levantadas sobre determinantes sociais dos sintomas depressivos e o risco de medicalização, partindo de uma divisão de diferentes perfis populacionais: "do morro" e "do asfalto". Os trabalhadores destacaram a importância dos grupos terapêuticos e de redes de suporte social (familiares e amigos) como recursos não farmacológicos no tratamento dos sintomas depressivos.
Conclusões/Considerações Finais Nesta primeira etapa da pesquisa, as entrevistas com os profissionais foram utilizadas como um primeiro contato com o campo e um mapeamento inicial de suas percepções, comparações e inquietações sobre as rotinas e desvios envolvidos nas práticas de identificação e tratamento das pessoas suspeitas ou diagnosticadas com depressão. É destacável um contraste entre o reconhecimento da dimensão social, como principal explicação causal para o transtorno, e seu papel secundário, ainda que importante, no tratamento. Na etapa de observação, pretende-se chegar aos usuários e explorar a sua experiência desde o reconhecimento de um adoecimento "mental" aos usos das terapêuticas disponíveis na unidade e fora dela.
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