11/10/2016 - 13:30 - 15:00 GT 25 - Epidemias e Endemias na Produção Mídiática (I) |
11058 - ZIKA E MICROCEFALIA NO JORNAL NACIONAL: DISCURSIVIDADES E SILENCIAMENTOS NO MOMENTO INICIAL DA EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA MARINA DE CASTRO FERREIRA SARAIVA CARVALHO - ICICT/FIOCRUZ, INESITA SOARES DE ARAUJO - ICICT/FIOCRUZ, RAQUEL AGUIAR - IOC/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução O crescimento de casos de síndrome congênita relacionada a malformações, especialmente a microcefalia em fetos de gestantes brasileiras, provocou a declaração de Estado de Emergência Internacional em Saúde Pública pela Organização Mundial da Saúde em 1o de fevereiro de 2016. A declaração ocorreu cerca de dois meses após o Ministério da Saúde reconhecer pela primeira vez a associação entre a infecção pelo vírus Zika em gestantes e a ocorrência de microcefalia, em 28 de novembro de 2015. O tema teve grande impacto na mídia brasileira, o que motiva o interesse em investigar os aspectos discursivos dessa cobertura noticiosa.
Considerando a mulher e o bebê como principais vítimas da epidemia, no contexto de uma sociedade que limita direitos sexuais e reprodutivos e tendo em vista a concentração dos casos em áreas pobres da região Nordeste, investigamos discursividades e silenciamentos no noticiário nacional sobre o tema no período inicial da epidemia. A questão central a ser investigada diz respeito ao espaço e à modalidade de voz e de representação que tiveram as principais vítimas da doença na mídia jornalística de alcance nacional.
Objetivos A partir do olhar da Comunicação e Saúde, nossos objetivos foram: 1) correlacionar discursivamente, na cobertura noticiosa, a relação entre microcefalia e o vírus Zika; 2) identificar, no dispositivo midiático, os aspectos e as vozes visibilizados e os silenciados, bem como os modos de representação das gestantes e famílias afetadas; e 3) discutir os achados à luz do direito à saúde e do respeito às dimensões humana e social dos casos.
Metodologia Escolhemos a perspectiva da Análise dos Discursos, que permite aprofundar a dimensão simbólica de textos, considerados em suas relações com os contextos. Nessa perspectiva, as imagens também são consideradas discursos, assim como o silêncio, compreendido como um elemento constitutivo da comunicação.
Foram selecionadas para a análise notícias veiculadas no Jornal Nacional (JN), programa noticioso transmitido de segunda-feira a sábado pela emissora TV Globo. Trata-se do telejornal de maior audiência no país. Como recorte temporal foi escolhido o período entre os dias 11 e 28 de novembro de 2015, datas que correspondem aos episódios em que o Ministério da Saúde admitiu a suspeita e em que confirmou a correlação entre os casos de microcefalia e o vírus Zika. Após assistirmos as 16 edições integrais do telejornal exibidas no período, oito notícias sobre a temática de interesse foram selecionadas para a análise.
Discussão e Resultados As principais vozes presentes nas notícias foram as do Ministério da Saúde e dos médicos. Houve silêncio quanto à voz de gestantes e mães de bebês com microcefalia. Apenas uma reportagem apresentou a voz da avó de um bebê, relatando que ao longo da gestação a mãe não teve sintomas, exceto dores de cabeça.
Em relação a imagens, foi observado o uso de situações de atendimento hospitalar, com silêncio quanto à imagem de bebês com microcefalia. Em cinco notícias houve representação do bebê por ilustração gráfica, acompanhando enunciados sobre a definição da microcefalia a partir do perímetro craniano.
Houve territorialização da refererência ao Nordeste como local de ocorrência dos casos. Também foi notada valorização discursiva sobre o número de casos e aspectos estatísticos. Houve sentidos de risco e medo na perspectiva da coletividade e sempre na voz das fontes oficiais: o risco da ocorrência de microcefalia, com o vírus Zika evoluindo de hipótese a evidência científica e o medo de que se tratasse do início de uma crise ampliada em saúde pública. Foi observado silêncio sobre o drama humano envolvendo os bebês, suas mães e familiares.
Conclusões/Considerações Finais O silêncio da voz de gestantes e mães de bebês com microcefalia e o predomínio da representação das crianças em estatísticas ou ilustrações apontam que as vítimas da epidemia não tiveram suas demandas pessoais e sociais consideradas nos enunciados.
Predominou o uso de imagens ilustrativas de mães e familiares, representados em espaços hospitalares, sem alusão ao drama humano. Foram enfocadas as causalidades da microcefalia, com silêncio sobre perspectivas de futuro dos bebês.
O predomínio de pessoas pobres atingidas pela epidemia, confrontado com o silêncio de sua voz e com a presença das vozes de médicos e do Ministério da Saúde em todas as notícias, obriga a discutir o quanto o negligenciamento em saúde, que é uma negação de direitos humanos básicos, com ênfase no direito à saúde, assume outras formas, como o negligenciamento midiático, que através de uma lógica representacional excludente nega o direito a voz.
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