Sobre o Congresso
A escolha do tema “Pensamento Crítico,
Emancipação e Alteridade: Agir em Saúde na (A)diversidade”
para a sétima edição do Congresso Brasileiro de Ciências
Sociais e Humanas em Saúde - ABRASCO, decorre da reflexão sobre
a pluralidade de experiências sociais e os respectivos contrastes e tensões
expressos na vida de pessoas e coletividades no contexto contemporâneo.
A sociedade atual experimenta a expansão do
pluralismo político-ideológico e do multiculturalismo e, simultaneamente,
resistências a tal processo que se manifestam em hostilidade, intolerância,
fragilidade e transitoriedade das relações sociais, no bojo de
uma ordem social instituída potencializadora de assimetrias (morais,
de poder, de condições e situações) que perduram
na estrutura societária de um país tão desigual como o
Brasil.
Este cenário de contrastes apresenta novos contornos
e desafios éticos, teóricos e práticos às CSH no
campo da Saúde Coletiva para interpretar, compreender e agir crítico
evocando o reconhecimento ético-moral dos direitos emancipatórios
pautado pela alteridade dos sujeitos.
Trata-se de considerar a fluidez da construção
movediça da identidade, nas diferentes visões de mundo, nas manifestações
de injustiça e sofrimento sociais e no exercício de cidadanias,
como processo integrado aos interesses e realizações da coletividade.
Neste sentido, os sujeitos de direito só são
individualizados em suas liberdades e diferenças subjetivas por meio
da coletivização em sociedade, bem como os grupos sociais só
são concebidos a partir de suas identidades subjetivas e diferenças
culturais em particular. Trata-se, então, de dar visibilidade às
experiências de alteridade, que pressupõe a interdependência
dos homens em interação – em uma visão ampla, a própria
sociedade – de modo que a compreensão do mundo não se dissocia
da visão do Outro e de mim mesmo sensibilizado e afetado pelo contato.
São movimentos simultâneos de diferenciação
e de identificação que fazem transbordar e borrar os supostos
limites do individual/coletivo, público/privado cujas manifestações
concretas são passíveis de serem apreendidas, desveladas, denunciadas
no plano das experiências biograficamente encarnadas, mas somente compreendidas
na sua articulação aos processos micro e macrossociais.
Como subsídio teórico e epistemológico para o agir reflexivo,
o pensamento crítico emancipatório, busca dar visibilidade à
diversidade na adversidade, ou seja, diante de realidades incoerentes, contraditórias,
discordantes das suas definições oficiais indigna-se, incomoda-se
e as desnaturaliza desvelando o fato de serem “produções”
arbitrárias, interessadas, mas sempre inacabadas e, assim fazendo, engajar-se
nas transformações nas suas contínuas reconstruções.
Realizar releituras da realidade inaceitável
apresentada como dada, requer que possamos desconstruí-las, demonstrando
que ela poderia ser construída de outra forma, enquanto movimento crítico
do agir pela emancipação, libertando o pensamento e alargando
a compreensão dos processos humanos e sociais inscritos individual e
coletivamente.
Especialmente para a realidade brasileira, atravessada
hoje por crises de natureza, econômica, política, social e ética,
que colocam em risco direitos sociais conquistados, torna-se vital a reafirmação
incondicional da perspectiva emancipatória, levada a cabo por sujeitos
coletivos que se constroem dialeticamente na (a)diversidade, e como autênticos
protagonistas, que no exercício de sua práxis de autonomia, são
capazes de refletir, resistir e agir na transformação do mundo.
Adotar tal perspectiva implica discutir novas formas de produção
de conhecimento contra hegemônicas e libertadoras articuladas às
lutas de movimentos sociais, gerando debates públicos intensos que resultem
na análise, compreensão, denúncia e proposição
de alternativas concretas para confrontar o sistema hegemônico e suas
formas de dominação.
Todas estas questões não são novas,
de nosso tempo, e pensar a diversidade e a pluralidade, por meio do pensamento
crítico, da emancipação e da alteridade, traz consigo embates
consideráveis ao campo das Ciências Sociais e Humanas, pois mobiliza
categorias que não são unânimes e absolutas na cultura política
e intelectual da área. O debate sobre diversidade e pluralidade, toca
no âmago de valores importantes, como a igualdade, a solidariedade, e
tensiona nossas concepções de laços sociais, nossa capacidade
de conviver e evidencia as formas definidas por uma sociedade de ser coletiva.
Trata-se, portanto, de refletir sobre os novos desafios desta experiência,
tal qual ela se desenvolve e se inscreve hoje no coração de profundas
transformações da vida coletiva.
Diante do exposto, cabe às Ciências Sociais
e Humanas em Saúde, em um processo que envolve também reflexividade,
(re)pensar os modos de ser sociedade demandando tanto refinamentos e sofisticação
na abordagem das relações sociais, institucionais, políticas,
éticas e morais na sociedade atual, quanto o engajamento e ação
estratégicos para transformá-la.
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