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Grupos Temáticos
12/10/2016 - 13:30 - 15:00 GT 23 - Inovações em Saúde - Invetividades nas Práticas de Produção em Saúde |
11653 - ALTERIDADE DA DOR NAS PRÁTICAS DE SAÚDE COLETIVA: IMPLICAÇÕES PARA A ATENÇÃO À SAÚDE DE PESSOAS IDOSAS WAGNER JORGE DOS SANTOS - CENTRO DE PESQUISAS RENÉ RACHOU/FIOCRUZ, KARLA CRISTINA GIACOMIN - CENTRO DE PESQUISA RENÉ RACHOU/FIOCRUZ, JOSÉLIA OLIVEIRA ARAÚJO FIRMO - CENTRO DE PESQUISA RENÉ RACHOU/FIOCRUZ
Apresentação/Introdução A dor é vivência solipsista que acontece sem a mediação do outro no seu mal-estar, enquanto o sofrimento configura uma experiência de alteridade de quem sofre e dirige ao outro sua demanda. A percepção da dor é caracterizada como uma experiência multidimensional, cuja qualidade e intensidade sensorial são afetadas por diferentes variáveis afetivo-motivacionais. Essa vivência constitui-se em dupla inscrição: objetiva na concretude biológica do corpo, mas genuinamente subjetiva e pessoal, estando sujeita à interpretação a partir do universo de significados e singularidade de quem vive a experiência álgica. A dor é o sintoma mais subjetivo cuja visibilidade e mensuração dependem do relato de quem o experimenta. Nas ciências humanas e sociais, o corpo e a dor são definidos como construções simbólicas, constituídas no cerne da relação do sujeito com o mundo sociocultural de sua vivência, ultrapassando, portanto, as configurações do signo clínico, propostas pela medicina. Com o envelhecimento da população, as doenças crônicas não transmissíveis, frequentemente associadas às dores crônicas podem comprometer a autonomia no desempenho das atividades de vida diária.
Objetivos A integralidade da atenção à saúde, mais do que a mera produção de consultas e atendimentos, se faz pelo encontro entre pessoas, sendo fundamental compreender a abordagem ao sujeito idoso com dor nas práticas de saúde coletiva. Dado o acelerado envelhecimento populacional no Brasil, é necessário conhecer melhor sua repercussão na produção do cuidado desenvolvido nas ações e serviços de saúde pública. Este estudo buscou compreender o significado atribuído pelos idosos da comunidade sobre sua vivência álgica e discuti-lo a partir da abordagem conferida à dor nas práticas de saúde coletiva.
Metodologia O presente estudo, desenvolvido na perspectiva da abordagem qualitativa, de cunho antropológico, está fundamentado nos pressupostos da etnografia, sendo conduzido na cidade de Bambuí, localizada a oeste de Minas Gerais. O modelo dos Signos, Significados e Ações foi utilizado na coleta e análise dos dados, permitindo a sistematização dos elementos do contexto que participam da construção de maneiras típicas de pensar e agir associado à vivência da dor dos idosos pesquisados. A técnica de pesquisa, entrevista individual com roteiro semiestruturado, permitiu ampliação do campo de fala dos idosos. Somente foram entrevistados idosos sem alterações cognitivas que impedissem a realização das entrevistas. O universo pesquisado foi composto por 57 idosos (30 mulheres e 27 homens) assistidos pela Estratégia Saúde da Família, sendo que os critérios de inclusão buscaram garantir a heterogeneidade dos participantes idosos quanto a: território das equipes da ESF, gênero, idade e condição funcional.
Discussão e Resultados Duas categorias emergiram: “A vivência da dor na saúde e na doença” e “A dor e o cuidado nos serviços públicos de saúde”. A percepção da vivência da dor na velhice como signo de saúde/doença produz uma interpretação da sua condição e do seu mal necessitar estar endereçada e condicionada pelo campo social. Nas práticas de saúde coletiva a vivência da dor estabelece o conceito de saúde/doença e medeia ações de produção de alteridade. Consultar é ação de quem procura outrem que lhe dê a chance de encontrar outro lugar de si ou de reencontrar a possibilidade de “não sentir dor” e assim experimentar de novo a saúde. A análise revelou que na cultura local, a velhice não é concebida sem doença, e a dor não engendra a abertura ao outro, dificultando sua expressão como sofrimento, espaço marcado pela alteridade no qual a pessoa idosa estabelece a relação com o outro e delineia um horizonte de ordem intersubjetiva. A dor é naturalizada e compreendida como parte do processo da velhice-doença, e é preciso aceita-la sem reclamar. O desafio do campo da saúde passa a ser conseguir abordar, interpretar e transformar a dor como sofrimento do sujeito que a vivencia no seu contexto sociocultural.
Conclusões/Considerações Finais A vivência da dor é oportunidade de constituição de relações e encontro com a alteridade do outro, de qualificação das relações de cuidado, de valorização da integralidade da experiência e história da pessoa idosa que vivencia a situação álgica. A vivência da dor é o lugar privilegiado de reflexão sobre a cultura e as práticas de saúde coletiva que ainda compreendem como “coisas da idade” as doenças que acontecem na velhice. O modelo que os idosos percebem e retratam escuta pouco e continua privilegiando o cuidado da doença como processo ao invés da doença como experiência, negando o diálogo com a singularidade da pessoa idosa que vivencia a dor. É fundamental que no campo da saúde, a alteridade da dor seja um princípio ético constituinte das relações, assumindo uma função indutora do processo de humanização dos serviços que se ofertam ao sujeito idoso, desde que o profissional compreenda a velhice como etapa natural da vida, digna e merecedora de cuidado, com, sem ou apesar da dor.
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