11/10/2016 - 13:30 - 15:00 GT 1 - Dilemas e Desafios de Pesquisas Etnográficas |
11867 - UM INFILTRADO NA COZINHA: O PESQUISADOR SOB SUSPEITA NA PESQUISA QUALITATIVA EM SAÚDE MAX FELIPE VIANNA GASPARINI - USP
Apresentação/Introdução Trazemos neste trabalho o relato de experiência de uma pesquisa orientada pela etnografia, cujos desdobramentos da entrada no campo culminou com o afastamento do pesquisador sob a suspeita de ser um policial infiltrado. No âmbito de uma pesquisa avaliativa acerca do Programa Mais Médicos a partir de um estudo de caso, realizamos imersão ao campo orientados pelo método etnográfico para subsidiar a construção das informações junto aos agentes de interesse inseridos em equipes de Saúde da Família que receberam médicos do Programa.
A entrada no campo da pesquisa disparou questões acerca da real identidade do pesquisador, que acarretou na acusação por parte das agentes comunitárias de saúde (ACS) de se tratar na verdade um policial infiltrado cujo intuito era obter informações acerca do tráfico de drogas no território. A acusação resultou no afastamento do pesquisador do campo, considerando a gravidade da acusação. Discute-se a forma como se deu a entrada no campo, os componentes de ordem simbólica e estrutural presentes no contexto e aponta-se reflexões que podem subsidiar o planejamento de futuros pesquisadores que venham a utilizar o método etnográfico na pesquisa em saúde.
Objetivos Discutir as implicações da entrada em campo na pesquisa qualitativa em saúde orientada pelo método etnográfico, a partir da experiência do pesquisador no contexto de uma pesquisa avaliativa do Programa Mais Médicos.
Metodologia A experiência discutida neste trabalho se deu a partir da escolha da etnografia enquanto caminho para a construção das informações para a pesquisa avaliativa de programas. O método etnográfico pressupõe a capacidade do pesquisador de realizar uma “descrição densa” (Geertz, 1989), no sentido de que os dados não são apenas apreendidos, mas devem ser interpretados, para que os vários significados atribuídos a experiências concretas possam ser revelados. Essa busca dos significados da experiência humana busca considerar o envolvimento do pesquisador, numa relação entre diferentes subjetividades, considerando os elementos de ordem simbólica enquanto intermediários entre as relações dos sujeitos (Lévi-Strauss, 1993).
Orientado pela avaliação de quarta geração (Guba e Lincoln, 2011) o estudo previa a construção de categorias avaliativas a partir da compreensão das questões, preocupações e reivindicações dos agentes de interesse diretamente envolvidos com a intervenção foco da avaliação.
Discussão e Resultados A entrada no campo foi intermediada por dois gestores, um ligado à secretaria de saúde e outro chefe interino do serviço. Ambos citaram a violência no território enquanto uma questão de pouca importância. Dada sua implicação pessoal, gestores responsáveis por serviços de saúde podem muitas vezes omitir ou minimizar questões problemáticas presentes no território, sobretudo em se tratando da relação com a pesquisa acadêmica. Em se tratando de pesquisa avaliativa essa questão se torna ainda mais sensível.
Ao iniciar a observação na unidade de saúde, o chefe interino do serviço nos orientou a utilizar o espaço da cozinha. Trata-se de espaço especialmente cuidado pelos trabalhadores: decorações caseiras na mesa e no fogão, canecas personalizadas organizadas no armário e uma garrafa de café usada, utensílios que compunham um ambiente caseiro, íntimo e de convivência dos trabalhadores. Ali comem juntos, brincam e discutem questões da vida pessoal e do trabalho.
Além das questões de violência que atravessam o trabalho em saúde, ocupar este ambiente por indução de um chefe interino e sem criar um vínculo com as ACS pode ter colaborado para a suspeita em torno da identidade do pesquisador.
Conclusões/Considerações Finais O ambiente de uma unidade de saúde pode ser compreendido enquanto espaço de disputas e tensões, composto de significados atribuídos por trabalhadores que ali convivem diariamente. Em nossa experiência de pesquisa, preteriu-se as relações afetivas e de poder presentes no espaço da unidade de saúde, assim como as questões concretas de violência no território que incidem nas representações dos trabalhadores. A ponderação dos interesses e limites presentes na fala de agentes implicados com a gestão em saúde podem auxiliar na compreensão dos contextos investigados.
As implicações da entrada de um pesquisador externo devem ser alvo de reflexão antes e durante a realização de um estudo etnográfico. A compreensão profunda dos diversos elementos de ordem simbólica presente nos contextos dos serviços de saúde e que mediam as relações entre as pessoas é objeto central dos estudos de orientação etnográfica, e suas implicações podem acarretar entraves para o desenvolvimento da pesquisa.
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