11/10/2016 - 13:30 - 15:00 GT 3 - As Diversas Faces da (In)justiça na Área da Saúde |
11340 - A CONTRIBUIÇÃO DO PROCESSO TRANSEXUALIZADOR NA CAPACIDADE DE SER SAUDÁVEL DAS MULHERES TRANSEXUAIS CRISTIANE MARIA AMORIM COSTA - UERJ, MARILENA CORDEIRO DIAS VILELA CORRÊA - UERJ, CARLOS DIMAS MARTINS RIBEIRO - UFF
Apresentação/Introdução A transexualidade, segundo Berenice Bento, refere-se a uma experiência identitária caracterizada pelo conflito com as normas de gênero. A promulgação das Portarias do Ministério da Saúde de números 1707 e 457, de 2008, com sua ampliação em 2013 na Portaria 2803 instituiu, no Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador (PT), proporcionando a inclusão das pessoas transexuais em ações governamentais e políticas públicas. Lê-se em suas diretrizes: 1- o princípio da integralidade da atenção à saúde, sem que a centralidade da meta terapêutica se encontre no procedimento cirúrgico de transgenitalização; 2- a rede de atenção, tendo como porta de entrada a Atenção Básica. A perspectiva de justiça proposta por Maria Clara Dias, denominada Funcionamentos Básicos, define a saúde como a capacidade normativa dos seres humanos, operando através de um conjunto de funcionamentos básicos – como um sistema dinâmico e interativo – que para serem desenvolvidos e exercidos precisam de determinadas condições materiais de existência. Nesse sentido, torna-se relevante definir o conjunto de funcionamentos que compõem a capacidade de ser saudável para as pessoas transexuais.
Objetivos Compreendendo que a base moralmente justa do Processo Transexualizador seria a integralidade da atenção à saúde, este estudo teve por objetivo: 1- identificar os funcionamentos que compõem a capacidade de ser saudável e 2- analisar a realização a capacidade de ser saudável antes do ingresso e durante o processo transexualizador, a partir da taxonomia proposta por Cecilio.
Metodologia O estudo foi realizado em uma unidade de atenção especializada de um hospital universitário localizado no município do Rio de Janeiro. Os sujeitos do estudo totalizaram 14 pessoas: 10 mulheres transexuais formalmente inseridas no Processo Transexualizador, e quatro profissionais que desenvolvem suas atividades no Processo Transexualizador. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Social, sendo aprovado com protocolo de número 501.157. A coleta dos depoimentos deu-se através da realização de entrevista semiestruturada, onde as mulheres transexuais, apontavam sua centralidade para sua vida, explanando sobre sua realização ou não. Da mesma forma, os profissionais avaliavam a importância - a seu ver – da referida capacidade para a vida das mulheres transexuais. Os depoimentos foram gravados e transcritos, sendo sua análise realizada a partir da Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2010). Em seguida, foi utilizado o software NVIVO.
Discussão e Resultados A análise dos depoimentos apontou os seguintes funcionamentos: 1- São apontados entraves no acesso à rede de atenção, por discriminação e constrangimento, sendo a procura por atendimento apenas em caso de algum problema de saúde, o que se mantém durante o atendimento no PT. 2- A utilização de tecnologia em saúde para as mulheres transexuais diz respeito à modificações corporais sejam elas, cirúrgicas ou através de hormonioterapia. A hormonioterapia é utilizada por automedicação antes e dentro do PT. A modificação corporal cirúrgica é atendida parcialmente. 3- A autonomia é restrita pelo próprio embasamento da portaria do PT na resolução do Conselho Federal de Medicina, que prevê um laudo médico para o ingresso na política. 4- O atendimento das necessidades de saúde é comprometido antes do ingresso do PT e durante o PT, visto que os problemas de saúde não são informados porque o PT não é reconhecido como espaço adequado para sua resolução ou pelo medo que aumente o tempo de espera para a realização da cirurgia de redesignação sexual. 5- A confidencialidade fica comprometida antes e durante o PT pelos silêncios, seja em termos de atendimento das necessidades de saúde, ou da heteronomia.
Conclusões/Considerações Finais O ingresso no Processo Transexualizador não colabora na realização da capacidade de ser saudável, que já é comprometida antes mesmo do ingresso na referida política. Nesse sentido, verifica-se que a integralidade como base da política se mantém na qualidade de uma quimera. E essa constatação, amplia a discussão pela despatologização da transexualidade, na qual o diagnóstico deixaria de ser condição de ingresso na política do PT, visto que a a heteronomia impede o estabelecimento de vários funcionamentos que compõem essa capacidade. Para além, surgirão novas demandas e necessidades de saúde após a alta do PT, sendo necessário a criação e manutenção de espaços acolhedores e profissionais capacitados para tal.
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