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Grupos Temáticos
11/10/2016 - 15:00 - 16:30 GT 25 - Epidemias e Endemias na Produção Mídiática (II) |
11979 - EPIDEMIA MIDIÁTICA DE FEBRE AMARELA: DESDOBRAMENTOS E APRENDIZADOS DE UMA CRISE DE COMUNICAÇÃO NA SAÚDE PÚBLICA BRASILEIRA CLÁUDIA MALINVERNI - FSP-USP, ANGELA MARIA BELLONI CUENCA - FSP-USP
Apresentação/Introdução No verão 2007-2008, o Brasil registrou uma epidemia midiática de febre amarela, produzida a partir da cobertura jornalística da forma silvestre da doença, que, de acordo com a autoridade sanitária e os especialistas, estava dentro da normalidade epidemiológica. Empregando repertórios de risco em saúde, o noticiário deslocou discursivamente o evento de sua forma silvestre para a urbana, potencialmente mais grave. Os sentidos produzidos pela mídia impactaram todo o sistema nacional de imunização e expôs a riscos as pessoas, que se vacinaram contra a doença incentivadas noticiário, que, na forma de fábula, elevou a vacina à condição de “poção mágica”. Houve uma explosão na demanda: em menos de dois meses, foram distribuídas 13 milhões de doses, contra uma rotina anual de 15-16 milhões, ao mesmo tempo em que o governo brasileiro suspendeu a exportação do antiamarílico. No período da epidemia midiática (entre o final de dezembro de 2007 e início de fevereiro de 2008) foram aplicadas mais de 7,6 milhões de doses (6,8 milhões só em janeiro). Foram registrados quatro óbitos por vírus vacinal, todos no estado de São Paulo, em áreas indenes para febre amarela silvestre.
Objetivos Entender como as práticas discursivas de diferentes atores envolvidos na e pela cobertura jornalística da epizootia para a produção dos sentidos epidêmicos da febre amarela. Conhecer a perspectiva desses atores sobre o fenômeno da epidemia midiática; alguns desdobramentos dos sentidos epidêmicos sobre os serviços de imunização; e como as relações entre a autoridade sanitária e a imprensa generalista, incluindo o modelo nacional de comunicações, de modo geral, e do Sistema Único de Saúde, em particular, contribuíram para a produção e circulação do discurso epidêmico.
Metodologia Referenciais teórico-metodológicos: comunicação e saúde (ARAÚJO; CARDOSO, 2007), teoria social da mídia/ideologia e cultura (THOMPSON, 2014; 2011); práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano (SPINK, 2004). Abordagem construcionista: notícias são narrativas que resultam de um processo de construção linguística, organizacional, social, cultural e ideológico; nunca são a realidade em si, mas uma das narrativas possíveis sobre os acontecimentos. Noções teóricas: newsmaking (processo de produção da notícia); agenda-setting (agendamento); e framing (enquadramento). Ferramentas: 14 entrevistas semiestruturadas (gestores do Ministério da Saúde; jornalistas; assessores de imprensa; profissionais de sala de vacina; e usuários vacinados). Categorias analíticas: o processo de produção da narrativa epidêmica; o uso de repertórios de risco; a fabulação da vacina; e a tradução do conhecimento técnico-científico. Análise de textos jornalísticos e documentos ministeriais.
Discussão e Resultados Os resultados indicam que a epidemia de febre amarela foi um produto da mídia. Ancorada em BOURDIEU (2003), foi possível constatar que os campos da saúde coletiva e da comunicação jornalística estão em permanente disputa pelos sentidos da saúde na arena pública. Essa perspectiva implica a problematização do sistema nacional de comunicações, de natureza privada, não regulamentado e monológico, que atua na forma de oligopólio, excluindo do cenário o princípio constitucional do direito à informação e à comunicação. Esse perfil dificulta a inserção da saúde coletiva no cotidiano das redações, com graves consequências para o SUS como um todo e, em especial, para a população. É responsável também pela assimetria nas relações entre saúde e imprensa, hegemônica no que tange à circulação de discursos desqualificadores do SUS. As narrativas jornalísticas também consequência do modelo de comunicação do SUS, marcado pela ausência de uma política articulada com seus princípios doutrinários e organizativos, do que decorre uma comunicação instrumental centrada em estratégias de visibilização de uma gestão/gestores e invisibilização de outros atores, basicamente reativas às demandas da imprensa.
Conclusões/Considerações Finais Do ponto de vista da imprensa, a epidemia midiática foi sobretudo resultado do processo de produção da notícia (newsmaking), fortemente influenciado por forças sócio-organizacionais e ideológicas (da objetividade e do profissionalismo), em constante esforço para configurar a notícia como espelho de uma realidade epidêmica. Embora epidemiologicamente não tenha existido uma epidemia de febre amarela, ela se instalou no cotidiano como um fato social, impactando todo o sistema nacional de imunização e, sobretudo, expondo a riscos a população: quatro pessoas morreram por febre amarela vacinal. É preciso superar a visão quase romântica de que a imprensa privada é potencialmente uma parceira desinteressada e solidária do SUS. Ela não é. A epidemia midiática de febre amarela é entendida como uma crise de comunicação e uma oportunidade de aprofundar o debate acerca das relações entre os dois campos, com vistas à construção de uma política pública de comunicação para o SUS.
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